segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A bandeirola do menino Jesus

A época natalícia chegou ao seu auge. As iluminações de rua brilham por todo o lado, o consumismo desenfreado fez-se sentir no ar, as musiquinhas características já irritam. Por causa da tão mal fadada crise, este Natal foi mais severo e muitas famílias viram-se obrigadas a cortar em certos gastos, tal como o Governo aconselha. Quem costumava comer bacalhau, comeu antes uma lata de atum, e quem estava habituado a peru teve que se contentar com um franguinho da Guia. Mas não é só. Os bolos Rei foram substituídos por donuts com fruta cristalizada, enquanto que os pinheiros, tão carinhosamente decorados todos os anos, deram lugar a bonsais.

É triste mas tem de ser, há que cortar nos gastos, há que impedir o consumismo natalício, não vá isso alavancar a economia e o país melhorar a sua situação financeira (nem que seja por um mês)! E é na tarefa estóica de travar o apelo ao consumo desta época que surge o precioso auxílio da Igreja sob a forma de Bandeirola do Menino Jesus (há quem chame estandarte, mas eu gosto mais de bandeirola). Esta bandeirola representa, supostamente, os valores tradicionais do Natal e opõe-se ao consumismo. Agora o mais importante, por uns espantosos 12€ (mais portes de envio), pode obter em sua casa um fantástico “Kit Estandarte de Natal” que inclui a bandeirola, uma mensagem do Bispo D. Carlos Azevedo e ainda um espectacular Evangelho Diário!
Com esta ideia paradoxalmente genial, a Igreja não faz mais que canalizar todo o consumismo da sociedade cristã para a compra massiva deste kit com intenções beneméritas. Ou seja, troca o consumismo pelo consumismo, o que é óptimo! É como se os talhantes fossem vegetarianos mas continuassem a adorar vender peru recheado. Sempre com ideias inovadoras a Igreja!

Esta luta contra o consumismo na forma de S. Nicolau – vulgo Pai Natal - tem tido uma grande adesão por partes dos cristãos, e é desta forma que o menino Jesus surge pendurado em tantas janelas, tal qual o filho bebé do Michael Jackson naquele hotel de Berlim. Mas, o que é intrigante, é o facto de não se verem estas bandeirolas em, por exemplo, bairros sociais ou mais carenciados. Onde se vê com frequência aliás, é nas zonas “nobres” da capital. BMW e Mercedes à porta, brutas casa com todas as comodidades possíveis e imagináveis…mas atenção! No dia 25 não se gasta dinheiro em banalidades! Sim, p'favor, pa' isso há os outros 364 dias, tá a ver? Além disso aquele menino à janela fica súpê amoroso!

Por outro lado, e não querendo ser intriguista, não deixo de achar curioso que numa altura em que surgem cada vez mais casos de padres pedófilos, se insista em pôr uma criança nua à janela. Há limites.

Enfim, que todos tenham tido um feliz Natal, com ou sem menino Jesus, com mais ou menos idiotices.




segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Centro de Emprego - a comemoração ao vivo da biodiversidade.

Há poucos dias tive que me deslocar ao Centro de Emprego para obter uma declaração. Durante todo o percurso até lá, seguia angustiado a pensar na seca descomunal que iria apanhar à espera da minha vez. Surpresa, o Centro de Emprego é um mundo encantado onde coexistem seres humanos normais e outras subespécies mais raras - o que proporciona um bom pedaço de entretenimento a um intrépido explorador como eu.
Entre as subespécies mais raras, encontram-se aquelas pessoas que estão realmente transtornadas com a vida e precisam mesmo de um trabalho. Entre os seres mais comuns, transparece a despreocupação de quem vive facilmente com o subsídio de desemprego e apenas tem que se apresentar periodicamente naquele espaço.

Enquanto esperava calmamente a minha vez, fui observando o que me rodeava. Uma senhora chinesa, com um bigode de fazer inveja ao António Sala, pediu um formulário qualquer. Estava vestida com roupa de restaurante das suas origens, mas fiquei com a ideia que procurava na vida algo mais que fritar crepes ou cortar em pedacinhos os seus familiares idosos para fazer chop suey.  O que se passava é que a senhora precisava de preencher um formulário (após ter tirado uma senha branca) para depois tirar uma senha verde (um daqueles mimos da burocracia). Acontece que o seu telemóvel tocou, ela atendeu e uma funcionária do Centro gritou "Lá fora! Tem que falar lá fora!". A senhora chinesa acatou a ordem, foi lá fora e voltou passados 5 minutos. Dirigiu-se à mesma funcionária e pediu então a senha verde. A funcionária diz "Agora já não dá, já passa das 16h, só amanhã." - já vi maneiras mais subtis de dizer "Volta para a tua terra que aqui não há emprego para ti sua chinoca!".

Durante o tempo em que lá estive, entre toda a diversidade de seres, fiquei impressionado com a quantidade de gordos, muito gordos, que lá havia. Fiquei a pensar que, de facto, devem precisar de 2 ou 3 empregos para sustentar aquele porte físico. Por outro lado, se forem mesmo desempregados também não é assim tão dramático, já vi ursos polares sobreviverem aos Invernos rigorosos do Pólo Norte com bem menos reservas.

A certa altura, entra pelo Centro adentro um indivíduo com um fato de treino do Benfica - clássico. Que vão assim para o Colombo, ou qualquer outro espaço comercial, até já estou habituado, no Centro de Emprego foi novidade. O pior é que, pelo ar alucinado dele, fiquei com a certeza que ele não estava ali para arranjar emprego. Fiquei antes o tempo todo a pensar que a qualquer minuto ele iria sacar de um arma, e do cartão de sócio do seu Benfas, e sequestrar todos os presentes exigindo a demissão do Jorge Jesus.

Como podem ver, o meu tempo de espera passou rapidamente. Foi como ver um episódio do BBC Vida Selvagem ao vivo. Quando dei por mim já estava a ser chamado e tive a sorte de me calhar uma funcionária competente e tudo! Pena que o código de trabalho não reconheça (e, por isso, não consta na base de dados do Centro de Emprego) a minha área profissional, marketing. Tive que escolher outra área. Sugeri "político", mas logo achei que não era reconhecido no código de trabalho nem em lado nenhum.



 

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

A República Checa e o taxi português.

Meus caros, lamento a falta de notícias mas estive ausente do país. Fui gozar (com) outras paragens. Com um grupo de amigos, fui passar uma semana a Praga e, embora tenha feito Erasmus em Brno (segunda cidade da República Checa), aquele país é sempre um caixinha de surpresas.

Fomos visitar a Biblioteca da Universidade de Praga. É um edífico moderníssimo, muito bem desenhado e equipado, mas tenho um defeito a apontar. É verdade que é uma biblioteca adequada a pessoas com deficiências motoras mas não está completamente disponível aos atletas para-olímpicos, o que me parece um pouco injusto.


Não estão à espera de ganhar medalhas nos 100m cadeiras de rodas, a não passar dos 5km, não é? Onde é que está essa ambição?

Por outro lado, há outra classe de trabalhadores que também é prejudicada na Rep. Checa. Em qualquer profissão, os trabalhos devem ser efectuados com as ferramentas adequadas e com uma habilidade própria para cada tarefa. Os roubos e assaltos não fogem a este princípio.


Assim também não estão a facilitar. Como é que é suposto assaltar um banco sem uma pistola? Isto é brincar com quem trabalha. Queria ver os gerentes dos bancos a tentarem assaltar uma loja qualquer só com um pau na mão. Fácil não era com certeza.


Durante Erasmus e esta semana, foram muitas as vezes que disse, ou ouvi, coisas como "Que país de terceiro mundo...", ou "Estes checos não batem bem de certeza.".  E, no meio disto, por mais parvoíces que Portugal tenha, ficamos sempre a achar que somos muito melhores. Mas, mal sabia eu que, ao aterrar em Lisboa há dois dias, iria ser presenteado com um episódio digno de, no mínimo, 14º mundo. Passo a relatar, resumidamente:

Apanho um táxi no aeroporto com a minha amiga, a Ana, com quem aterrei em Portugal vindo de Praga.

- É para onde?
- É para a Av. Roma e depois a minha amiga segue para a Gare do Oriente, se faz favor.

Já em andamento:

- Então e da Gare do Oriente é para onde?
- Ela vai apanhar o comboio para o Porto.
- E não quer que a leve lá menina?
- Não temos dinheiro para isso, obrigado.

O taxista prossegue:

- Não tem dinheiro! Ainda ontem fui levar (não sei quem) a Madrid!
- Se essa pessoa quiser pagar a viagem da minha amiga para o Porto, tudo bem!

E do nada, o taxista começa a barafustar:

- Está a dizer que não tem dinheiro? Você cresça e faça-se homenzinho!
- Desculpe lá, mas não está a falar com o seu filho.

Taxista aos berros:

- Tem mas é respeito que eu tenho idade para ser teu avô! (e tinha mesmo)
- Olhe, pode encostar que nós ficamos já aqui.
- Nem pensar! É para a Av. Roma é para a Av. Roma!
- Mas nós queremos ficar aqui e ponto final!
- Você é um "#%#$!
- Não seja ordinário que está uma senhora no carro.

Foi o descalabro. Daqui para a frente, foi um chorrilho de palavrões e ofensas. Eu e a Ana já nem respondíamos à senilidade do taxista por nem valer a pena. Lá encostou na Av. Roma, pensámos em chamar a polícia ou dar-lhe uma bofetada na cara, mas nenhuma das hipóteses adiantava alguma coisa.

Fiquei a pensar que não devia gozar tanto com a República Checa. Viva Portugal!